Agressão

Menino autista é arrastado pelos pés em clínica e funcionárias são presas

A vítima foi arrastada por uma psicóloga e uma fisioterapeuta de uma clínica na Feira dos Importados; as mulheres pagaram fiança e foram liberadas

Psicóloga e fisioterapeuta foram presas por maus-tratos após serem flagradas arrastando um menino autista de 8 anos  -  (crédito: Reprodução Redes Sociais)
Psicóloga e fisioterapeuta foram presas por maus-tratos após serem flagradas arrastando um menino autista de 8 anos - (crédito: Reprodução Redes Sociais)

Colaborou Marcelo Thompson Flores - Duas mulheres foram presas nesta quarta-feira (21/5), após serem flagradas arrastando um menino autista de 8 anos pelas pernas em uma clínica de terapia localizada na Feira dos Importados. Segundo a Polícia Militar do Distrito Federal, que realizou a prisão em flagrante pelo crime de maus-tratos, as suspeitas são uma psicóloga e uma fisioterapeuta, elas tem 26 e 36 anos, conforme registrado pela Polícia Civil. 

A mãe do menino, Heloisa Iara denunciou o caso para a polícia e divulgou as imagens nas redes sociais. Através dos stories, ela afirmou que o filho faz tratamento na clínica três vezes por semana e nesta quarta-feira (21/5), o menino fugiu do local. "Hoje o Pedro estava na terapia, que é um lugar para ele ser cuidado. Mais uma vez deixaram ele fugir e ele foi tratado igual bicho. O que fizeram é um absurdo", disse a mãe revoltada enquanto registrava ocorrência.

A mãe afirmou ainda que soube do caso de maus-tratos através de uma amiga, que também é mãe e faz acompanhamento com o filho no mesmo local. Ao ser avisada, ela foi até a clínica confrontar os responsáveis. "Chegando na clínica, o povo na maior cara lavada: 'queremos conversar sobre o que aconteceu'. Eu disse que eu não ia conversar com ninguém e só ia parar na polícia. [...] A diretora da clínica estava mais preocupada em saber quem tinha ado as imagens pra gente do que tratar do que tinha acontecido". 

Siga o canal do Correio no WhatsApp e receba as principais notícias do dia no seu celular

Heloisa destacou a decepção com o ocorrido e afirmou que uma das pessoas flagradas no vídeo é supervisora de um setor da clínica. "Isso é maus-tratos contra uma criança e, pior, contra uma pessoa com deficiência", afirmou.

A mãe do menino acionou a Polícia Militar que foi até o local e conduziu as suspeitas até a 5ª Delegacia de Polícia, que apura o caso. "A equipe realizava o patrulhamento na região quando foi acionada via COPOM para investigar uma denúncia de maus-tratos dentro de uma clínica. No local, os agentes da PMDF encontraram o pai da vítima, que relatou que seu filho havia sido arrastado por duas funcionárias do estabelecimento", afirmou a PM em nota.

A Polícia Civil apura o caso e afirmou que as suspeitas foram liberadas após pagamento de fiança."Como determina a lei, foi arbitrada fiança no valor de R$ 3 mil para cada uma das autuadas, que foi paga", detalhou a corporação. 

Pelas redes sociais, a clínica Unica Kids emitiu nota informando que o caso é isolado e que medidas istrativas foram imediatamente adotadas. A direção destaca ainda que as envolvidas têm direito à ampla defesa e ao contraditório.  

 

Manifestação da clínica Unica Kids após caso de maus-tratos com menino autista
Manifestação da clínica Unica Kids após caso de maus-tratos com menino autista (foto: Unica Kids)

 

Repercussões

Após a repercussão sobre o caso de um menino autista de 8 anos que foi arrastado pelos pés em uma clínica, a Ordem dos Advogados do Brasil/DF se manifestou na manhã desta quinta-feira (22/5).

A presidente da Comissão de Defesa das Pessoas com Autismo da OAB/DF, Flávia Amaral categorizou o caso como "absurdo" e afirmou que as instituições precisam estar preparadas para atender esse público, além de seguir a lei à risca.

"As imagens são revoltantes. Eu, que também sou mãe atípica, me revolto e me solidarizo com essa família. É um absurdo que clínicas que estão ali dispostas a lidar e tratar com autista tenham que agir com violência, agir nesse sentido. Mesmo com toda legislação que nós temos, com a lei Berenice Piana, com o Estatuto da Pessoa com Deficiência, ainda temos essa violência. As instituições precisam se preparar", afirmou a advogada.

O Movimento Autistas Brasil também emitiu nota manifestante indignação com o caso. O grupo afirma que o caso escancara as falhas estruturais e que esse modelo de gestão está pautado na produtividade e não no cuidado. 

Veja nota da Autistas Brasil 

A Autistas Brasil manifesta indignação diante das imagens chocantes que mostram uma criança autista sendo arrastada por funcionários de uma clínica no Distrito Federal. Mais do que um caso isolado, esse episódio escancara as graves falhas estruturais de um modelo de intervenção que se apresenta como terapêutico, mas opera na lógica da obediência, do lucro e da violência institucional.

A Análise do Comportamento Aplicada (ABA), amplamente difundida como “terapia para autismo”, se sustenta em comandos, reforços e punições. Quando uma criança chora, resiste ou foge, sua reação não é escutada — é enquadrada como um “comportamento a ser corrigido”. A subjetividade autista é apagada em nome de metas externas. O que vimos no DF foi o reflexo direto dessa lógica: uma criança sendo levada à força de volta a um espaço que claramente a violentava.

Esse modelo não é orientado pelo cuidado, mas pela produtividade. Clínicas ABA lucram mais quanto mais horas uma criança permanece em “tratamento”, mesmo sem evidência robusta de eficácia. A Revisão Sistemática da Cochrane, referência global em saúde baseada em evidências, já apontou a baixa qualidade dos estudos sobre ABA, com sérios conflitos de interesse e ausência de dados sobre segurança. O próprio Ministério da Saúde, por meio de parecer técnico do Hospital Sírio-Libanês, destacou o baixo rigor científico e os riscos envolvidos nessa prática.

Não podemos permitir que métodos invasivos, de eficácia duvidosa, sejam aplicados sem fiscalização ou responsabilidade. É urgente regulamentar a ABA no Brasil e garantir que intervenções com crianças sejam feitas exclusivamente por profissionais qualificados, com formação técnica e ética — como exige a psicologia brasileira.

A alternativa existe e precisa ser fortalecida. Modelos como DIR FloorTime, Integração Sensorial e SCERTS priorizam a escuta, a regulação emocional e a comunicação, respeitando a singularidade da criança autista. Eles não tentam “corrigir” a neurodivergência, mas construir caminhos de desenvolvimento afetivo, relacional e humano.

A Autistas Brasil é hoje a única organização nacional que denuncia abertamente a violência institucional contra crianças autistas. Lutamos contra a medicalização da infância, a imposição de terapias sem escuta e o uso de práticas punitivas travestidas de cuidado.

Reafirmamos: terapia sem ética é violência. Ciência sem compromisso é oportunismo. O que aconteceu no DF é parte de um sistema que precisa ser urgentemente desmantelado. O silêncio diante disso é cumplicidade.

 

 

 


 

postado em 22/05/2025 09:43 / atualizado em 22/05/2025 12:17
x