Revista do Correio

5 apegos que mantêm as mulheres em relações abusivas

Veja como soltar os fantasmas internos que alimentam esse tipo de vínculo

Sair de um relacionamento abusivo requer coragem para quebrar padrões (Imagem: Alphavector | Shutterstock) -  (crédito: EdiCase)
Sair de um relacionamento abusivo requer coragem para quebrar padrões (Imagem: Alphavector | Shutterstock) - (crédito: EdiCase)

Sair de uma relação ruim raramente é uma escolha puramente racional. Por mais que a mente diga “isso não me faz bem”, existe algo mais profundo que nos mantém ali — uma força emocional e inconsciente que opera abaixo da superfície. E é por isso que muitas mulheres seguem presas a relações que machucam, mesmo sabendo que merecem mais.

O relatório “Visível e Invisível: a vitimização de mulheres no Brasil (2025)”, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, mostra que 37,5% das mulheres permaneceram em relações prejudiciais por medo da solidão, por baixa autoestima ou por acreditarem que o outro poderia mudar. Esses dados não apenas ilustram uma realidade dolorosa — eles escancaram o quanto estamos lidando com mecanismos afetivos e psíquicos que vão além da razão.

A psicanálise nos ajuda a entender que há em nós a tendência inconsciente de repetir padrões, mesmo quando eles são destrutivos. É como se estivéssemos tentando, de forma disfarçada, resolver antigos vazios afetivos. 

Abaixo, exploro lista cinco tipos de apegos que atuam como armadilhas emocionais e nos prendem a relações que já não fazem sentido.

1. A ilusão de segurança e proteção

Uma das armadilhas mais comuns está na ideia de que ser amada é ser protegida — mesmo que essa “proteção” venha disfarçada de controle. Em relações abusivas, o outro muitas vezes se apresenta como quem “sabe o que é melhor”, limitando a liberdade da mulher sob o pretexto de cuidado.

Essa fantasia está profundamente ligada ao que a psicologia chama de complexo de Cinderela: a busca por alguém que nos salve, que nos retire da nossa própria vulnerabilidade. Na verdade, o desejo por segurança extrema, aqui, encobre um medo infantil do desamparo — e é isso que o agressor manipula. Promete proteção, mas entrega prisão.

2. Medo do abandono e apego à instabilidade

O medo de ficar só é um dos afetos mais primitivos que carregamos. Ele nasce, muitas vezes, de experiências precoces de rejeição ou negligência emocional. Quando crescemos sem segurança afetiva, amos a temer qualquer sinal de afastamento como uma ameaça à nossa própria existência emocional.

E aí surge a contradição: preferimos relações instáveis, imprevisíveis e dolorosas a encarar o vazio da ausência. A frase “antes mal acompanhada do que só” não é apenas uma crença cultural — é uma tentativa inconsciente de evitar o contato com o próprio desamparo.

Ilustração de uma mulher se olhando no espelho
O cuidado com autoestima é essencial para entender o seu valor na relação (Imagem: Ya_blue_ko | Shutterstock)

3. Baixa autoestima e apego às migalhas de afeto

Quando nossa autoestima está fragilizada, qualquer gesto de carinho pode parecer grande demais. A mulher que não acredita em seu próprio valor a a supervalorizar o que, na verdade, seria o mínimo em qualquer relação saudável.

Essa distorção emocional é muito perigosa. Ela faz com que a pessoa aceite migalhas como se fossem banquetes, e com que se convença, de forma inconsciente, de que não merece mais do que aquilo. É o tipo de vínculo que se alimenta de carência — e carência, muitas vezes, é confundida com amor.

4. Apego à iração: quando o outro se torna espelho

Em muitos relacionamentos tóxicos, o agressor usa elogios, reconhecimento e validação como forma de manter o controle. A mulher, especialmente se tiver dificuldades com sua autoimagem, a a depender desse olhar externo para se sentir “vista”.

Esse apego à iração do outro é, na verdade, uma expressão da falta de um eu fortalecido. A pessoa não se reconhece como valiosa por si — precisa da confirmação constante vinda de fora. E esse mecanismo cria uma dependência emocional profunda: a relação deixa de ser uma escolha e vira uma necessidade de sobrevivência psíquica.

5. Apego à comodidade e ao “mínimo que dá para ar”

Nem sempre é o drama que prende — às vezes, é o hábito. Muitas mulheres permanecem em relações mornas, levemente tóxicas, porque acreditam que “já estão ali mesmo”, que “ninguém é perfeito”, que “pior seria começar tudo de novo”. Isso revela um apego à zona de conforto, mesmo quando essa zona está cheia de pequenas dores diárias.

Por trás dessa resistência à mudança está o medo da transformação interna que o fim exige. Encerrar um relacionamento implica um processo de luto, de reconstrução da identidade, de reorganização da vida. E tudo isso assusta. Então, mesmo infeliz, a pessoa se mantém. Porque sair exige força — e, às vezes, um mergulho que ela ainda não consegue fazer.

Olhar com coragem para esses apegos é o primeiro o para quebrar o ciclo

A psicanálise nos mostra que, muitas vezes, não é o outro que nos prende — somos nós que ainda não conseguimos soltar os fantasmas internos que alimentam esse tipo de vínculo. Romper não é só dizer “basta” — é entrar em contato com partes nossas que foram negligenciadas, machucadas ou silenciadas. É entender que o que dói hoje talvez seja uma repetição do que já doeu antes — e que só vai deixar de se repetir quando for, de fato, elaborado.

Libertar-se é mais do que sair de um relacionamento; é sair do enredo que nos ensinou a aceitar pouco. E, principalmente, reconstruir o próprio desejo com base no amor-próprio, não na carência.

Por Mayra Cardozo 

Terapeuta e advogada especialista em gênero e sócia do escritório Martins Cardozo Advogados Associados. Idealizadora do método Alma Livre, criado para auxiliar mulheres a saírem de relacionamentos tóxicos e abusivos.

PE
postado em 09/05/2025 17:15
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