
Donald Trump está no poder há exatos 141 dias. Parece uma eternidade. O segundo mandato do presidente dos Estados Unidos revestiu-o de um poder quase autocrático. Pelo menos é assim que o magnata republicano se sente. A vitória na eleição de 2024 — depois da incitação à invasão ao Congresso, três anos antes, e de uma série de acusações na Justiça — emprestou a Trump a falsa noção de que tudo pode, inclusive manter os ataques à democracia. Ele tem feito isso reiteradamente, com medidas inconstitucionais e polêmicas, que ameaçam as liberdades civis.
O que acontece em Los Angeles, e agora se espalha para outras cidades, como Nova York, Filadélfia (Pensilvânia) e Austin (Texas), é apenas reflexo da insolência de um líder que ignora o fato de que os Estados Unidos são uma nação construída por migrantes. O aparelhamento do Estado para promover uma caçada aos estrangeiros não documentados é visto por parte da população como uma tática eleitoreira para satisfazer a base conservadora e a extrema-direita norte-americana, desconsiderando a própria Constituição e o tecido social dos EUA.
A convocação de 4 mil homens da Guarda Nacional e de 700 fuzileiros navais para reprimir protestos em Los Angeles pode ser uma armadilha montada contra Trump por ele próprio. Caso a violência descambe para uma intensidade capaz de deixar mortos e feridos, o presidente poderá enfrentar uma pressão crescente do Partido Republicano para recuar e desmobilizar o contingente. E mais: adotar mudanças que suavizem a política migratória, ao menos a atuação da ICE, a polícia da Imigração, na perseguição e deportação dos não documentados. Qualquer um desses efeitos pode surtir no enfraquecimento do capital político de Trump.
O padrão de comportamento do chefe de Estado americano, notoriamente egoico e vaidoso, parece minimizar essa possibilidade. Se persistir no confronto aberto contra o governador da Califórnia, Gavin Newsom, e insistir na militarização das cidades palcos dos protestos de imigrantes e simpatizantes, Trump também estará em maus lençóis.
O governo da Califórnia anunciou que entrará com uma ação judicial contra o presidente e apelará aos tribunais para tentar bloquear a mobilização da Guarda Nacional e dos marines. É bem possível que Trump sofra uma derrota nas Cortes. A solicitação para a convocação da Guarda Nacional ou dos fuzileiros navais é uma atribuição dos governadores. Newsom não pediu uma intervenção federal na Califórnia, o que sugere uma ação inconstitucional e um atropelo de poderes por parte do presidente.
Os próximos dias serão determinantes para Trump. Talvez esta seja uma oportunidade para o titular da Casa Branca perceber que a democracia e os direitos civis não são fantoches. E que o poder do ocupante do Salão Oval não é inquestionável, e precisa respeitar limites. Caso contrário, os EUA correm o risco de mergulhar na convulsão social.