
Gustavo Menon — professor no Programa de Pós-Graduação em Direito e coordenador do curso de Relações Internacionais na Universidade Católica de Brasília (UCB). Docente no Prolam-USP
A reeleição de Daniel Noboa como presidente do Equador no último domingo, 13 de abril, com cerca de 55% dos votos válidos, foi marcada por acusações de fraude e questionamentos políticos por parte da oposição. Liderada por Luisa González, candidata do Movimento Revolução Cidadã (RC) e herdeira do capital político do ex-presidente Rafael Correa, que governou o país entre 2007 e 2017, a oposição rejeitou os resultados e denunciou irregularidades no pleito. Entre as denúncias, estão o estado de exceção decretado pelo atual presidente às vésperas do segundo turno e atas eleitorais que não foram devidamente preenchidas. O Conselho Nacional Eleitoral (CNE), autoridade máxima da justiça eleitoral no país, declarou os resultados como "matematicamente irreversíveis", mas as acusações continuam a alimentar tensões políticas e agravam o cenário de cruzamento de crises no país.
Organizações internacionais como a Aliança Bolivariana (ALBA-T) e a Celac Social endossaram as críticas, classificando o processo como uma "montagem autoritária" e exigindo auditorias independentes. Por outro lado, observadores da Organização dos Estados Americanos (OEA) e da União Europeia validam o pleito alegando que a votação foi limpa e transparente.
O segundo turno ocorreu em um cenário de alta tensão, com Daniel Noboa defendendo políticas de segurança duras, inspiradas naquelas implementadas em El Salvador por Nayib Bukele. Luisa González, por sua vez, promoveu uma campanha que defendia o retorno às agendas sociais de Correa e seu projeto intitulado Revolução Cidadã, com maior participação do Estado na regulação econômica e na promoção de políticas sociais voltadas para estancar a crise energética, socioeconômica e enfrentar os desafios no campo da segurança pública.
Vale destacar que o país registrou números alarmantes de criminalidade nos últimos anos. Em 2023, a taxa de homicídios atingiu um recorde de 47 por 100 mil habitantes, com uma média de 22 assassinatos por dia, totalizando mais de 8 mil homicídios no ano. O cenário foi agravado por episódios de violência política, como o assassinato do candidato presidencial Fernando Villavicencio durante a campanha eleitoral, refletindo a crescente incidência do narcotráfico no país.
Apesar das políticas de segurança implementadas por Noboa, como a decretação de sucessivos estados de exceção e sua aproximação com os Estados Unidos, os resultados não surtiram os efeitos desejados. Em janeiro de 2025, observou-se o mês mais violento dos últimos três anos, com 731 homicídios registrados, equivalente a uma média de 23,5 por dia. Além disso, o sistema carcerário continua sendo um epicentro de violência e da ação das máfias. Nesse contexto, a percepção de insegurança permanece alta entre os equatorianos, com sete em cada 10 temendo sair à noite.
Como fator agravante, o país enfrenta uma condição crônica de dupla dependência econômica, estando à mercê da dolarização e das flutuações de commodities no mercado internacional, como é o caso do petróleo — responsável, de acordo com a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), por mais da metade das exportações equatorianas.
Ao longo do segundo turno, González — que contou com uma certa unidade da esquerda, inclusive com o apoio das lideranças dos setores indígenas à sua candidatura — defendeu uma estratégia de associar as medidas autoritárias do atual presidente às denúncias de corrupção e ao aumento da criminalidade no país. Em contraste, Noboa parece ter apostado no sentimento anticorreísta presente na sociedade equatoriana e acusou a opositora de ser próxima ao regime de Nicolás Maduro, na Venezuela.
Após um cenário de esperança e otimismo com a promulgação da Constituição de 2008, que elevou indicadores econômicos e sociais e positivou direitos inéditos, o Equador enfrenta novamente uma severa crise político-institucional. Esse contexto tem aberto margem para iniciativas golpistas e para a proliferação do não reconhecimento das disputas eleitorais por diferentes atores, tanto no plano nacional quanto no internacional.
Dizem que, em situações e regimes autoritários, a verdade é a primeira a morrer. Agustín Cueva, sociólogo equatoriano, ainda no século ado, mencionou que "as poucas conquistas culturais e políticas não eram, neste Equador castigado, irreversíveis". Caberá ao campo progressista equatoriano, nesse cenário de divisão, não apenas comprovar as teses de fraude e corrupção nos próximos dias, mas também se realinhar com as demandas dos setores populares, especialmente em áreas críticas como a segurança pública, que permanece como um dos maiores desafios nacionais e regionais na América Latina.