Artigo

Tráfico de crianças

Crianças sendo negociadas como se mercadorias fossem — em uma das múltiplas violências de que são vítimas rotineiramente neste país, enquanto o Estado segue quase inerte no seu dever de protegê-las.

"O processo de adoção é longo e cheio de etapas porque visa o melhor interesse da criança, busca evitar que seja colocada em situação de risco. Quando ela é entregue a uma família ilegalmente, pode ficar exposta a violências" - (crédito: Arquivo pessoal)

Na semana ada, um casal foi preso em Ibiá (MG), suspeito de integrar um esquema de tráfico de crianças. Com a dupla, estavam um recém-nascido e um menino de 6 anos. De acordo com as investigações, as vítimas do grupo criminoso eram oferecidas para adoção ilegal por meio do WhatsApp. Não há mais informações disponíveis, porque o caso está sob sigilo.

Em Poços de Caldas (MG), há dois meses, a polícia prendeu dois homens por tráfico humano. Eles tentavam comprar uma recém-nascida por R$ 5 mil. Não demoraram muito na cadeia. Saíram depois de dois dias, após pagamento de fiança de um salário mínimo! Consta que vão responder ao processo em liberdade.

O que teria acontecido com essas crianças se não fossem as denúncias, se os criminosos tivessem sido bem-sucedidos? No tráfico de meninos e meninas, o leque é amplo de crueldade, vai desde a adoção ilegal até outros destinos mais nefastos.

A adoção fora da lei é feita por quem não quer ar por todo o processo exigido pela legislação ou não se enquadra nos requisitos. A princípio, pode parecer uma prática menos danosa, mas não é.

O processo de adoção é longo e cheio de etapas porque visa o melhor interesse da criança, busca evitar que seja colocada em situação de risco. Quando ela é entregue a uma família ilegalmente, pode ficar exposta a violências. E mesmo que os "adotantes" sejam "boas pessoas", pode ser negado a esse menino ou a essa menina o direito de conhecer sua procedência — o que infringe o artigo 48 do Estatuto da Criança e do Adolescente. "O adotado tem direito de conhecer sua origem biológica, bem como de obter o ir ao processo no qual a medida foi aplicada e seus eventuais incidentes, após completar 18 (dezoito) anos", cita o ECA.

E quando o tráfico não se destina à adoção ilegal, o futuro de crianças é sombrio, ou podem nem ter futuro — quando são visadas, por exemplo, para a extração de órgãos.

Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), uma em cada três vítimas de tráfico de pessoas no mundo é criança. Quase metade desses menores de idade é traficada para trabalhos forçados, como doméstico, mendicidade e agricultura. "A exploração sexual — inclusive, por meio da prostituição, pornografia e servidão sexual — também é proeminente, afetando 20% das crianças traficadas, predominantemente meninas", ressalta a entidade.

"Nenhuma faixa etária, gênero ou nacionalidade está imune ao tráfico de crianças; é um fenômeno verdadeiramente global", enfatiza Irina Todorova, chefe da Unidade de Proteção Central da Agência da ONU para as Migrações.

A entidade afirma que, para combater eficazmente esse tipo de crime, os países "devem priorizar a proteção infantil, reforçar a legislação, melhorar a aplicação da lei e alocar mais recursos para combater o tráfico de crianças". No Brasil, estamos muito distantes dessa segurança. Precisamos evoluir muito para o enfrentamento efetivo dessa e de outras violências que atingem nossos meninos e meninas.

 


Cida Barbosa
postado em 06/03/2025 06:00
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