Cinema

Estrela cintilante: confira entrevista e crítica sobre filme de Rita Lee

A roqueira Rita Lee, morta em 2023, tem história recontada, com brilho, no documentário 'Ritas'

Rita Lee: brilho intenso em Ritas, um documentário -  (crédito: Divulgação)
Rita Lee: brilho intenso em Ritas, um documentário - (crédito: Divulgação)

Quem olha o calendário, em 22 de maio, nota um dia especial para o cinema brasileiro. Chega às telas Ritas, documentário de Oswaldo Santana e Karen Harley, em torno de Rita Lee. "É uma data muito especial: a data que a Rita escolheu como a data de aniversário dela. Nascida em 31 de dezembro de 1947, ela elegeu o 22 de maio, que é dia de Santa Rita, como para ela celebrar no aniversário dela. Isso mostra toda força e rompimento — não existe regras para Rita! Ela mudou a data de aniversário, e foi até decretado pela prefeitura de SP como dia de Rita também. Então, há o poder dela: algo que vem com a verdade", observa Oswaldo Santana, codiretor do longa-metragem.

No seu primeiro filme como diretor, Oswaldo se valeu da extensa carreira como montador, nos segmentos de ficção e de documentários. "O processo de decantar as imagens vem de modo natural. Há momentos em que você faz esse garimpo e fica lapidando o material. Tem períodos em que você deixa ele descansar para decantar. A gente começou o filme em 2018, então foi um longo, com processos. Tudo nos possibilidade de testar muitos caminhos, para chegar nesse formato — de narração direta, com a Rita". Impactante, entre os temas que tratam da jornada artística de 60 anos foi a consciência da morte, em 2023. "Foi abrangido de uma forma muito natural pela Rita, a finitude. Ela traz essa sabedoria, coisa que trouxe durante todas as etapas. Ao longo da carreira, ela trouxe muito essa clareza. Esse poder, essa precisão. Algo que está nas letras da música dela. Ela comunica, e de forma tão direta. Eu acho que na tela esta a pessoa verdadeira e direta", arremata. 

Entrevista // Oswaldo Santana, codiretor de Ritas 

A questão do imbróglio no show de despedida te soou satisfatória, na resolução do filme?

Sobre o show, a polêmica desse show de Aracaju, que é conhecido como show de despedida, um dos últimos shows da Rita Lee: acho que ele só mostra a força, o poder e a verdade que ela teve durante toda e a carreira. Acho que indifere ser o último show ou não. Aquilo mostra muito, né? A identidade da proteção de Rita. Foi a polícia que estava reprimindo a plateia. Ela parou o show, e começou a discutir com a polícia. Estou sinto satisfeito na resolução do filme, e acho que o filme não termina ali. Temos algumas sequências ali após isso. Quer dizer que se traz um panorama, uma visão geral sobre a vida e até da finitude da vida. Não considero o show como final. Mas estou muito satisfeito com essa despedida ali. Podemos dizer que seria uma despedida dos palcos, e entrega bem essa visão.

Em que o exotismo contribuía na montagem da persona pública de Rita? Ela tinha que máscaras à mão?

Eu acho que a persona pública da Rita é mais um dos personagens da Rita. Ela se colocava como persona musicista vamos chamar assim... Como uma persona. Então o título Ritas vem muito disso. Das várias personas que ela ela viveu, ao longo da vida. Não necessariamente em cima dos palcos. Mas nos palcos surgia uma das personas Mas até para falar uma coisa difícil, que ela não gostaria de falar, ela se vestiu de um personagem para falar. Quanto a máscaras, acho que ela não as trazia. Eu acho que são máscaras que ela desveste. Rita tem essa verdade. E é daí que vem também o brilhantismo dela, como atriz, então quando ela está interpretando, ou seja, sendo contratada para interpretar, vamos dizer assim, ela exerce de forma brilhante.

Com a finitude, transparecia alguma irritação ou inconformidade nela? E quais limites teve para invadir a privacidade da artista?

Olha nesse período que é, como a própria Rita fala, o período lua dela. O período grisalho. Vamos dizer assim... Ela nunca lidou com algum tipo de irritação ou inconformidade Ela sempre aceitou tudo. A Rita viveu com muita propriedade todo momento Com propriedade e intensidade: seja na fase loira dos Mutantes, seja na fase ruiva, que permeou grande parte da carreira dela, a fase Roberto e família, e até na fase final que a gente pode chamar. A fase pós-diagnóstico. Ela vive muita verdade e sem se esconder. O limite para invadir a privacidade do artista existe, mas, talvez, limite não exista no vocabulário da Rita Lee. Então a gente lidou com essa coisa. Eles (a família) foram participativos também, a gente dividia com eles as etapas importantes do filme. Mas não teve nenhum tipo de censura. Como o filme é dito praticamente em primeira pessoa, né? Então a Rita, pelo próprio momento de entregar depoimentos, cria momentos são ricos. Já tinham um quê de aprovação. Eu não gosto muito dessa palavra (aprovação) porque não existiu durante esse processo, mas foi assim.

 

Crítica // Ritas ★★★★

Som da liberdade

Sem extrema contundência ou impacto — mas na linha de uma despedida serena que contempla o olhar pelo retrovisor de uma carreira singular, Rita Lee estampa na tela o documentário Ritas, conduzido por Oswaldo Santana e Karen Harley.

Divertida e amalucada, a persona de Rita — já recolhida, em uma florida casa, de jardins cuidados pelo marido Roberto de Carvalho — abre um diário autêntico, com imagens e registros pessoais manipulados por ela própria. Um desfile de incontáveis sucessos (que somam Mania de você, Caso sério, Lança perfume e Cor de rosa choque) emoldura o cotidiano da avó coruja, fissurada nos gatos da casa e ainda no altar psicodélico e anacrônico de funko pop, bonecos como C3-PO (de Star Wars) e figuras católicas.

Dona de uma data em sua homenagem (justo o 22 de maio de cada ano), a mulher que adulterou o dia do nascimento (deslocado em quase cinco meses) impressiona pela jovialidade e, no arquivo, pela associação em parcerias inusitadas como a de Gilberto Gil e João Gilberto (que, em 1980, a acompanhou em Jou Jou Balangandans, e decretou ser ela uma "roqueira com voz de bossanoveira").

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Ainda que com esmerada contribuição do pesquisador de imagens Antonio Venancio, não há como deixar de pontuar a superficialidade com a qual é tratada o suposto show de despedida dela, em que houve enfrentamento diante dos excessos de guarnição da Polícia Militar. O episódio, entretanto, não minimiza a invejável postura destemida de Rita Lee, por anos, perseguida — sem maiores êxitos — pela visagem daqueles contrários a sua candura debochada e libertária. (RD)

 

postado em 22/05/2025 11:34 / atualizado em 22/05/2025 11:38
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