
Rio de Janeiro — A agem dos 100 anos do grupo criado por Assis Chateaubriand está sendo comemorada com um espetáculo musical que é uma celebração do jornalismo e da democracia. Chatô & os Diários Associados, em cartaz no Teatro João Caetano, no Rio de Janeiro, com texto de Fernando Morais e Stepan Nercessian na pele de Chateaubriand, se move pelo ado, pelo presente e pelo futuro do Brasil. Para Fernando Morais, biógrafo e autor do texto do musical, não foi difícil escrever o roteiro, pois a conexão entre Chatô e a música era muito forte: "De Lamartine Babo a Caetano Veloso, ele não só prestigiava os compositores ou intérpretes, como também lançava os talentos desconhecidos. Ele viu um mulatinho magrelo, com um violão debaixo do braço, com um talento absolutamente espantoso, e ordenou: "Contrate esse menino". Era Dorival Caymmi."
Ao Correio, Fernando Morais, autor de Chatô – O rei do Brasil (Ed. Cia das Letras), um clássico da historiografia brasileira, ressalta que um dos maiores legados do criador dos Diários Associados era o estímulo à cultura brasileira, especialmente à música. Algumas vezes, os métodos utilizados por ele poderiam ser discutíveis. Criou o Museu de Arte de São Paulo por meio de chantagem aos ricaços paulistas: "Chatô criou o Masp, o mais importante museu do Hemisfério Sul, nenhum tem um Rembrandt. Podia ter deixado para os herdeiros, mas deixou para a população. A moça que arruma meu escritório pode ver de graça Rembrandt, Matisse, Renoir". O espetáculo Chatô & os Diários Associados terá apresentações em Brasília nos dias 10, 11 e 12 de junho. E, nesta entrevista, Fernando Moraes fala sobre a atualidade de Chatô, a relação com a cultura e a polêmica provocada pelo musical.
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Entrevista // Fernando Morais
A rotina de jornalista mudou imensamente desde Assis Chateaubriand, mas alguns imperativos permanecem. O que permanece?
Permanece pouco e é uma pena. Chatô era um homem fascinado pela reportagem. Os veículos de comunicação dele e, eram inúmeros, tinham uma paixão pela informação e um certo desapreço pela opinião. Opinião era a dele. Há um célebre diálogo com David Nasser, o repórter mais importante de O Cruzeiro, que fez um artigo criticando a mudança do Rio para Brasília. Chatô perguntou: "Que história é essa? Nós, dos Diários Associados, defendemos a mudança da capital. David Nasser era muito atrevido e argumentou que a matéria era assinada. Chatô respondeu: "Se você quer defender a sua opinião, monte a sua revista." É uma ingenuidade você achar que será contratado por uma revista para defender princípios diferentes da empresa. O que ficou do Chatô jornalista foi o amor pela reportagem. E ele mesmo se dava ao luxo de ele mesmo fazer reportagem. Quando João Pessoa foi assassinado na revolução de 1930 na Paraíba, Chatô vai para rua como os demais repórteres para ver a repercussão do assassinato do vice-presidente de Getúlio Vargas. Então, a internet, os sites não conseguiram derrubar esse legado de Chatô. Ninguém compra o jornal para ver o preço do dólar; compra para ler noticia. E nisso Chatô é exemplar.
Em que a peça de Chatô pode influenciar os jovens brasileiros, em especial aos jornalistas, publicitários e escritores?
A defesa do soft power, a defesa da música popular brasileira. Quando fui chamado para adaptar a história do Chatô e dos Diários Associados para um musical, o trabalho não foi muito grande. Se pedissem o futebol ou outro tema qualquer eu talvez tivesse de trabalhar mais. De Lamartine Babo a Caetano Veloso, ele não só prestigiava os grandes compositores ou intérpretes, como promovia e lançava. Ele viu um mulatinho magrelo, com um violão debaixo do braço, com um talento absolutamente espantoso, e Chatô ordenou: "Contrate esse menino". Era Dorival Caymmi. Havia veículos dos Diários Associados do Rio Grande do Sul ao Amapá. Sem falar da TV Tupi e da Rádio Tupi, que eram verdadeiras chocadeiras de talento. Chatô se envolveu até na disputa das rainhas do rádio. Claro, que os inimigos diziam que ele tinha interesses subalternos, que ele tinha ficado encantado com a beleza de Doris Monteiro. Mas o concurso tinha a importância do Prêmio Esso para o jornalismo. Mostra a ligação profunda dos Diários Associados com a música popular brasileira.
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Qual é o significado de Chatô para história da comunicação no Brasil?
É muito grande, ele foi pioneiro de muitas coisas que até hoje estão em vigência. Chatô foi o primeiro a criar uma estação de televisão, que era uma coisa de outro planeta. Trouxe o off-set para o Brasil. Colocou o poder de seus veículos para a defesa da cultura brasileira e para certas particularidades. Fui fazer curso de piloto e o instrutor disse que a primeira pista de pouso daquela cidadezinha tinha sido colocada pelo Chatô há 60 anos atrás. Chatô criou o Masp, o mais importante museu do Hemisfério Sul, nenhum tem um Rembrandt. Podia ter deixado para os herdeiros, mas deixou para a população. A moça que arruma meu escritório pode ver de graça Rembrandt, Matisse, Renoir. Até inseminação artificial de gado, ele foi pioneiro. Descobriu, viajando pelo mundo, que você podia retirar o sêmen de um determinado reprodutor bovino, injetar em uma vaca e que um único reprodutor pudesse gerar dezenas ou centenas de bezerros quase simultaneamente. Hoje, o Nordeste é um dos maiores exportadores de frutas do Brasil. Você vai encontrar a digital de Chatô nisso. Você pode divergir dos métodos dele. Mas o Masp é público. Não se vê mais nenhum empresário da área de comunicação que tenha feito o que Chatô fez pela cultura.
Como fez adaptação para o teatro?
Não foi difícil, dada a relação natural dos Diários Associados com a cultura e com a música popular brasileiras. A dramatização não ficou comigo. O Eduardo Bakr que transformou e deu vida musical. Para mim, foi um prazer, não tive de forçar a barra. Se forçasse, dava uns três musicais.
Você imaginou que a biografia sobre Chatô se transformaria em um musical?
Não, eu previa que fosse adaptado para o cinema. Em momento nenhum, imaginei para o teatro e muito menos para um musical. Fico muito feliz pelo sucesso que a peça está fazendo. É uma homenagem mais que aos diários associados, ao Chateaubriand, nada acontecia sem a mão dele guiando e apontando ao horizonte.
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Algumas pessoas reagiram à conotação política da peça. O que acha disso?
Se fosse uma unanimidade, eu ficaria preocupado. Na semana ada, no teatro João Caetano, no Rio de Janeiro, os jornalistas saíram com as faixas "abaixo a ditadura", "pela liberdade de imprensa", "pela liberdade de expressão". Chatô foi preso duas vezes por defender o direito de dizer o que lhe ava pela cabeça. Você pode discordar do que se ava na cabeça dele. Mas ele lutou por isso, foi preso, teve jornal expropriado pela ditadura Vargas. Tentaram deportá-lo para o Japão e ele convenceu o comandante do navio a desembarcá-lo em águas brasileiros e se escondeu em São Paulo. No Rio de Janeiro, durante a manifestação dos jornalistas, no Teatro João Caetano, uma família inteira se levantou e saiu da sala. Imediatamente, o público começou a aplaudir de pé aos atores. Mostrou que está do lado da liberdade de expressão. É um grito em nome da liberdade.