Oncologia

Novos tratamentos prometem sobrevida para quem tem câncer de mama e de ovários

No congresso anual de oncologia, foi apresentada uma pesquisa que mostra a eficácia de uma nova terapia que combina medicações aplicadas à quimioterapia, reduzindo a aos casos de morte pela metade, a reincidência da doença e os efeitos colaterais

cancer de mama  -  (crédito: Freepik)
cancer de mama - (crédito: Freepik)

Um novo tratamento, apresentado ontem durante o congresso anual da Sociedade Americana de Oncologia Clínica (Asco), em Chicago, nos Estados Unidos, conseguiu a redução em 44% do risco de progressão ou de morte em alguns cânceres de mama — metastático ER2-positivo. Esses são os tumores considerados mais agressivos e que atingem de 10% a 20% dos pacientes que, em geral, não reagem aos avanços farmacológicos há mais de uma década. Participaram da pesquisa, cientistas dos Estados Unidos, da Alemanha, da China, do Japão, da Espanha, da Coreia do Sul e um único do Brasil.

O médico e pesquisador brasileiro vincluado à Rede Américas, o oncologista Romualdo Barroso (ver entrevista) é um dos autores do estudo DESTINY-Breast09. Segundo ele, a terapia combinada é uma grande avanço porque atinge diretamente as células doentes, reduz as possibilidade de reincidência, diminui a intensidade dos efeitos colaterais e tem maior eficácia. O tratamento contra esse tipo de tumor de mama agressivo é muito específico porque o comportamento dele é diferente.

Os cânceres HER2-positivos se alimentam de um gene HER2 hiperativo, que produz grande quantidade de uma proteína que ajuda as células cancerosas a crescerem e se propagar. Em geral, a metástase nesse tipo de circunstância ocorre em cinco anos. Para tratar o avanço do tumor mamário, foi analisado o uso de um anticorpo conjugado à droga (ADC), o trastuzumabe deruxtecana (Enhertu), com ou sem pertuzumabe, em comparação ao tratamento padrão atual, composto por quimioterapia com taxano associada a trastuzumabe e pertuzumabe.

O tratamento padrão atual, conhecido como THP, combina quimioterapia com dois anticorpos que bloqueiam os sinais de crescimento da proteína HER2. O novo enfoque utiliza outro medicamento (T-DXd), um anticorpo combinado com quimioterapia. Barroso define os ADCs e Enhertu como uma tecnologia inovadora e compara a um “míssil inteligente”, levando a quimioterapia diretamente à célula tumoral, com mais precisão e menos efeitos colaterais do que os tratamentos convencionais. Alguns especialistas chamam o novo modelo terapêutico de "bomba inteligente" porque o medicamento atinge diretamente as células cancerosas. A quimioterapia é istrada de forma seletiva, aumentando a eficácia. Os efeitos colaterais mais frequentes são náuseas, diarreia e queda nos glóbulos brancos. Algumas vezes, também provoca cicatrizes pulmonares.

Análises

Na pesquisa, o estudo foi aplicado a cerca de 400 pacientes, que receberam o T-DXd em combinação com o pertuzumab, potencializando os feitos. Um número semelhante recebeu o tratamento padrão de THP. Também foi incluído um terceiro grupo, que recebeu T-DXd sem pertuzumab, mas os resultados ainda não foram divulgados. O estudo foi acompanhado por 2,5 anos, utilizando a combinação de T-DXd e pertuzumab, quando observou-se a redução de risco de progressão da doença ou morte em 44%, em comparação com o tratamento padrão.

Do grupo de pacientes que recebeu o T-DXd, 15% viram o câncer desaparecer por completo frente a 8,5% do grupo que fez uso do THP. Em metade das pacientes, o câncer reapareceu ou piorou após 40,7 meses, em média, frente a 26,9 meses com o tratamento padrão. Os especialistas acreditam que essa diferença possa aumentar ainda mais.

Para a principal autora do estudo, Sara Tolaney, é necessário aprofundar as análises, mas já possível afirmar que há uma tendência positiva, que favorece a combinação Enhertu e Perjeta, com uma razão de risco de 0,84. “(Os resultados têm) o potencial de estabelecer um novo padrão de tratamento de primeira linha para câncer de mama HER2-positivo metastático, um cenário que não viu inovação significativa em mais de uma década", disse a cientista, lembrando que, em 12% dos pacientes que receberam a combinação, não houve efeitos colaterais, como náuseas, vômitos e constipação.

Rebecca Dent, vice-CEO clínica do National Cancer Center Singapore e especialista da ASCO em câncer de mama, classificou os resultados de "impressionantes" durante entrevista coletiva de imprensa. "A melhor maneira de aumentar as chances de cura é incorporar [Enhertu] ao cenário curativo", disse ela. "Estamos muito animados para analisar dados futuros, observando-os no tratamento precoce do câncer de mama HER2-positivo."

Medicação já disponível no Brasil

A medicação utilizada como base na nova terapia está aprovada no Brasil para o tratamento do câncer de mama HER2-positivo em fases mais avançadas da doença, mas agora, com os resultados do último estágio do estudo clínico, ela deve ser também avaliada quanto ao uso logo no início da doença metastática. Para o oncologista Romualdo Barroso, o próximo o é a validação pelas agências regulatórias internacionais e nacionais, como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), para que o uso da droga possa ser ampliado e disponibilizado às pacientes na prática clínica.

Duas perguntas para 

Romualdo Barroso, especialista do Hospital Brasília, Head de Ensino e Pesquisa em Oncologia e Líder Nacional de Câncer de Mama da Oncologia Américas

Qual sua avaliação sobre a participação do Brasil em estudos internacionais, como o DESTINY-Breast09, para a projeção da oncologia brasileira no cenário global?
Coloca o país em posição de destaque no cenário científico global e permite que os médicos brasileiros contribuam para moldar o desenho e a condução das pesquisas, considerando assim as necessidades dos nossos pacientes e do nosso sistema de saúde. Além disso, facilita o o mais rápido das novas tecnologias e promove a atualização dos profissionais de saúde, beneficiando diretamente toda a cadeia de todos os pacientes, inclusive eles próprios. Os resultados mostraram uma redução de progressão de 44% , melhorando a qualidade de vida e desfechos clínico dos pacientes; a gente precisa de mais tempo de segmento do estudo para verificar se será possível elevar também a taxa de cura.

É possível pensar em um tratamento de combate ao câncer de mama menos traumático?
Sim, com certeza, é um dos grandes focos. Sempre buscando tratamento certo para o paciente certo. É a personalização. Desenvolver tratamentos com cada vez mais eficácia e menos tóxicos (na linguagem científica, significa que resultados positivos e menos efeitos colaterais e danos ao organismo). Estudos recentes estão investindo para o diagnóstico precoce, não invasivo, como a biópsia de líquida, técnica de biologia química, uma técnica que detecta sinais do câncer no sangue. A depender dos resultados, podemos interromper ou iniciar tratamentos adequados, para evitar que terapias desnecessárias sejam aplicadas. Para o futuro, novos testes para ajudar os médicos a selecionarem a melhor forma de tratar os pacientes e identificarem por quanto tempo essas terapias seriam necessárias.

Terapia conjunta contra o tumor de ovários do tipo agressivo

Outro estudo em destaque no congresso anual da Sociedade Americana de Oncologia Clínica (Asco), em Chicago, nos Estados Unidos, combina a nova droga relacorilanto com nab-paclitaxel no tratamento de pacientes com câncer de ovário resistentes à platina. A terapia combinada trouxe ganho de sobrevida. A oncologista Mariana Scaranti, do Hospital Nove de Julho, foi uma das brasileiras a participar da pesquisa, batizada de Rosella, em parceria com centros europeus e norte-americanos.

Após acompanhar as 381 pacientes, devidamente selecionadas em 14 países, em continentes diferentes, de etnias e idades distintas, os pesquisadores constataram que as terapias combinadas poderiam estender o tempo de vida dessas mulheres, em mediana de aproximadamente 5 meses.

"Quando você oferece quimioterapia combinada com o relacorilanto, há mais maior chance de a doença demorar para crescer, com possibilidade de prolongar a vida dessas pacientes", disse a oncologista. "O estudo trouxe uma estratégia de tratamento para o câncer de ovário resistente à platina", ressaltou Scaranti ao Correio.

O comprimido de relacorilanto aumenta a sensibilidade do tumor à quimioterapia, reduzindo a sinalização do cortisol, e adicionado a outra medicação, o nab-paclitaxel, melhora a sobrevida livre de progressão e a sobrevida global em mulheres com câncer de ovário resistente à platina. A medicação é associada à quimioterapia. “Estamos diante de uma nova possibilidade terapêutica que pode oferecer mais tempo e qualidade de vida para mulheres que já aram por múltiplas linhas de tratamento”, afirmou Sacaranti.

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Os pesquisadores viram que associar o relacorilanto a quimioterapia foi melhor que oferecer quimioterapia isolada com ganho em sobrevida para as pacientes.  “Estamos diante de uma nova possibilidade terapêutica que pode oferecer mais tempo e qualidade de vida para mulheres que já aram por múltiplas linhas de tratamento”, afirmou Sacaranti.

O ensaio clínico randomizado, controlado e aberto foi realizado em 117 hospitais e centros comunitários de tratamento oncológico em 14 países na Austrália, Europa, América Latina, América do Norte e Coreia do Sul. Os pacientes deveriam ter 18 anos ou mais e apresentar diagnóstico confirmado de câncer de ovário, peritoneal primário ou de trompa de Falópio, epitelial. Diante desse quadro clínico complexo, as pacientes foram tratadas com a nova terapia combinada.

 

 

 

 

postado em 03/06/2025 06:00 / atualizado em 03/06/2025 15:41
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