LUTO

Desafios da pesquisa liderada por Niède Guidon foram relatadas ao Correio em 2013

Arqueóloga dedicou a vida ao estudo da região do Parque Nacional da Serra da Capivara, no Piauí

 Niède Guidon morreu aos 92 anos -  (crédito: Gustavo Moreno/CB/D.A Press)
Niède Guidon morreu aos 92 anos - (crédito: Gustavo Moreno/CB/D.A Press)

A arqueóloga Niède Guidon morreu na madrugada desta quarta-feira (4/6), aos 92 anos. Ela foi das mais importantes pesquisadoras do Brasil. Em 2013, ela concedeu entrevista ao Correio e falou sobre a carreira dela de mais de 40 anos. Niéde dedicou a vida ao estudo da região do Parque Nacional da Serra da Capivara, no Piauí, onde liderou escavações que mudaram o entendimento sobre a presença humana nas Américas.

"Começamos a pesquisa há 40 anos. Eu morava na França e vim ao Brasil em missão financiada pela governo francês. Todos os anos, eu voltava com meus alunos para fazer pesquisas aqui. Depois, a partir dos anos 1990, nós tivemos o apoio do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e de universidades brasileiras, que participam das pesquisas até hoje. Desde 1978, os professores brasileiros tinham o apoio do CNPq, da Finep. Nunca houve um problema para a questão das pesquisas. No começo, era difícil porque era uma região distante sem infraestrutura, pobre, típica do Nordeste. Nos primeiros anos, tinha o problema de infraestrutura, mas as pessoas que tinham roça lá sempre nos ajudavam dando água, comida. Sempre houve colaboração da população rural", relatou Niède ao jornalista José Carlos Vieira.

A arqueóloga foi pioneira ao defender que o povoamento do continente americano teria ocorrido há mais de 50 mil anos — muito antes do que se acreditava até então. Niède foi responsável pela criação da Fundação Museu do Homem Americano e foi responsável por transformar a região da Serra da Capivara de São Raimundo Nonato em um dos mais relevantes sítios arqueológicos do mundo.

"Foi criado o Parque Nacional da Serra da Capivara, em 1979, e, depois foi declarado Patrimônio Cultural da Humanidade. Na realidade, o governo brasileiro é responsável pela preservação disso: a parte da natureza pelo Ministério do Meio Ambiente, e parte da cultura pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). O problema é a questão do financiamento, porque o ministério não tem recurso e o Iphan também não. Os guardas não são suficientes e são terceirizados. Agora, teve um corte muito grande dos recursos. Parece que os contratos dos guardas florestais não serão renovados. Não sei como ficará a proteção da área. Temos o suficiente para chegar até o fim do ano, mas, depois, eu não sei como vai ser, o que vamos fazer. Estávamos investindo na autossustentabilidade com o turismo", disse Niéde ao Correio.

Além da falta de financiamento, Niède também contou que teve que lidar com ameaças de morte, invasões de caçadores. "Quem deve prender os caçadores é o governo federal, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Mas o que acontece: prende e o vereador manda soltar. A polícia obedece aos vereadores. O político não está interessado que a lei seja cumprida. Ele quer voto. Então, se ele solta o caçador, a família toda vai votar nele. É muito difícil porque a lei, na realidade, não é aplicada. A lei depende da vontade do político", citou.

Nascida em 12 de março de 1933, em Jaú (SP), filha de mãe brasileira e pai francês, Niède Guidon formou-se em história natural pela Universidade de São Paulo (USP), em 1959. Na Universidade Paris-Sorbonne, ela concluiu especialização e doutorado com uma tese sobre as pinturas rupestres do Piauí.

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postado em 04/06/2025 09:20
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