Análise

Alexandre Garcia: A China é vizinha

"Lula e Janja alegam que é para preservar crianças e adolescentes que querem regulamentar as redes. Mas elas estão regulamentadas desde 2015, pela lei que é o Marco Civil da Internet", observa o jornalista

Primeira-dama Janja na abertura da Semana Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes. -  (crédito: Clarice Castro/MDHC)
Primeira-dama Janja na abertura da Semana Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes. - (crédito: Clarice Castro/MDHC)

A primeira-dama Janja abandonou, na segunda-feira, o texto de um discurso sobre "regulação" de redes sociais, atribuindo a elas violência sexual contra crianças e adolescentes. Rebelando-se contra o protocolo em reunião de Estado, ela disse que "em nenhum momento eu calarei a minha voz para falar sobre isso. Não há protocolo que me faça calar, se eu tiver oportunidade de falar sobre isso, com qualquer pessoa que seja, do mais alto nível ou qualquer cidadão comum. E foi para isso que minha voz foi usada na semana ada quando eu me dirigi ao presidente Xi Jinping, após a fala de meu marido sobre uma rede social (o Tiktok chinês). Como mulher, eu não ito que alguém me dirija, dizendo que eu tenho que ficar calada. Eu não me calarei."

A fala do marido, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, segundo ele próprio, foi para pedir que o chefe chinês envie um agente de sua confiança ao Brasil, para examinar a rede social. "Eu perguntei ao companheiro Xi Jinping se era possível ele enviar ao Brasil uma pessoa da confiança dele para a gente discutir a questão digital e, sobretudo, o Tiktok." Lula informou, também, que Xi Jinping vai mandar uma pessoa "para conversar conosco para saber o que a gente pode fazer nesse mundo digital." Isso significa que virá um agente chinês para conversar com o governo brasileiro sobre censura no mundo digital, assunto no qual a China é especialista.

Na China, três quartos da população estão conectados a redes sociais, mas o controle é rigoroso: há reconhecimento facial para registrar entrada e vinculação ao documento de identidade, à localização e à conta bancária. O governo estabelece o que pode ser visto. Facebook, Instagram, X e outras internacionais não operam na China. Celulares chineses não permitem conexão com o Google. São substituídas por plataformas locais. Os americanos desconfiam de que o Tiktok pode ser usado para espionagem. Já denunciaram, segundo a Reuters, que produtos chineses importados — como guindastes portuários, placas solares, transformadores, computadores — agregam como clandestinos chips, bluetooths, rádios e modems, que permitem controle a distância. Chamar o chefão de tudo isso de "companheiro" tem seu significado.

Lula e Janja alegam, repetidamente, que é para preservar crianças e adolescentes que querem regulamentar as redes. Mas elas estão regulamentadas desde 2015, pela lei que é o Marco Civil da Internet, discutido amplamente. Além disso, a Constituição brasileira proíbe "toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística". Segundo o testemunho de quem estava no jantar em Beijing, Janja reclamou que o Tiktok favorece a direita no Brasil.

Então, a questão toda é porque a esquerda não alcança o desempenho da direita nas redes. Tem sido hábito no Brasil censurar a direita e deixar livre a esquerda, como aconteceu na última campanha presidencial — e outra haverá no ano que vem. Pedir ajuda ao regime chinês para agir nas redes, que deram mais amplitude à voz do povo, que é a fonte do poder, revela má intenção contra a liberdade. É se avizinhar de um sistema em que a liberdade é aquela que for permitida pelo Estado.

 

postado em 21/05/2025 03:55
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