Correio Braziliense
postado em 10/06/2020 04:15

Era a impunidade presente de forma aberta, a desacreditar o sistema e as instituições. Mais uma vez, a OAB foi às ruas, ao parlamento, ao Poder Judiciário para combater o sorriso sarcástico estampado na cara do criminoso confiante de que nada iria lhe acontecer, pois do sarcasmo do patife resultava o drama do sem-teto, do sem-terra, do sem-justiça; o drama da violência, do drogado, da criança entregue às ruas, da prostituição e da miséria.
Compreendíamos que não era suficiente ter eleições a cada dois anos, pois, por trás dos festejos de cada nova eleição, escondia-se uma crise de credibilidade na base da democracia representativa, resultante de uma série de fatores que levaram, por exemplo, milhões de cidadãos a se mobilizarem exigindo uma legislação específica para retirar do cenário político candidatos com ficha suja.
A partir de proposta do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE), iniciou-se amplo movimento de defesa da ética pública na sociedade brasileira, destinado à apresentação de um projeto de iniciativa popular denominado Lei da Ficha Limpa, que foi levado ao Congresso Nacional com quase 5 milhões de s. Depois de um início não muito promissor, com a força da imprensa, da OAB e de vários segmentos sociais, o projeto andou e acabou sendo aprovado pelo Legislativo, transformando-se na Lei Complementar 135/2010.
Em síntese, a lei ampliou o prazo das inelegibilidades para oito anos e vedou a candidatura de quem fora condenado por órgão judiciário colegiado em crimes de alto potencial lesivo; deu maior efetividade à ação de investigação eleitoral pelo uso indevido dos meios de comunicação, abuso de poder político e econômico e criou a inelegibilidade para o candidato condenado por captação ilícita de sufrágio e por conduta vedada aos agentes públicos. Quanto ao abuso do poder, a lei expressou que seria suficiente a gravidade das circunstâncias com o que o ato fora praticado para influir nos resultados das eleições, não mais a potencialidade.
A Lei da Ficha Limpa, ao proibir a candidatura de pessoas condenadas por atos de improbidade istrativa ou crimes contra a istração pública, hediondos e eleitorais, entre outros, jogou para os partidos políticos, essenciais à democracia e sem os quais não se pode ter eleições por serem a célula que concentra os candidatos, a responsabilidade na seleção de quadros qualificados para representar o povo brasileiro.
Ter ficha limpa para ser candidato ou a ser realidade, mas era preciso vencer as resistências ao conceito que a lei procurava defender: moralidade e probidade istrativa; zelo com a coisa e com o dinheiro público. A OAB, em nosso mandato, ingressou com uma Ação Direta de Constitucionalidade no STF (ADC 30) para ver a lei reconhecida e, a partir daí, ser aplicada em todo o país. A OAB venceu a batalha jurídica, mas devemos reconhecer: se tamanho esforço foi necessário, algo estava errado.
Ao deslocar o tema das ruas, do parlamento para o Judiciário, partimos da compreensão de que a diminuição das desigualdades sociais ava não só por políticas públicas inclusivas, mas igualmente pelo fortalecimento da Justiça, como o último reduto em que os cidadãos, sobretudo os mais pobres, podem buscar a reparação dos seus direitos.
Entendíamos que, diante das resistências de parte expressiva da classe política, a chave para abrir a porta da verdadeira reforma política que o país reclamava (e ainda reclama e necessita), seria pelo Poder Judiciário.
É bem verdade que vimos, nestes 10 anos, a transferência de candidaturas para familiares, como se fosse uma capitania hereditária, numa tentativa de burlar o rigor da norma, o que, aqui e ali, acabou dando certo.
No entanto, não será a Lei da Ficha Limpa que corrigirá esses desvios, mas a educação do povo. E o desafio reside, justamente, em como envolver a sociedade — a sociedade em sentido lato, desde as suas representações legítimas até o anônimo cidadão — num projeto de reforma política, num projeto de nação que dê maior credibilidade a um instituto cuja história se perde no tempo e não temos outro melhor para substituí-lo: o voto.
* Foi presidente da OAB Nacional (2010/2013)
* Foi presidente da OAB Nacional (2010/2013)
Notícias pelo celular
Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.
Dê a sua opinião
O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail [email protected].